sábado, abril 22, 2006

I need your lovin' like the sunshine...

Lembro-me de andar no 7º ou 8º ano da escola e de na altura uma pessoa que estimava muito ter falecido.
Durante um teste de Inglês, decidi então na parte da composição escrever algo que pudesse ajudar-me a expressar a mágoa pela primeira perda real da minha vida. Escrevi sobre ela, sobre o carinho que lhe tinha mesmo sem existir qualquer relação familiar entre nós, e no fim dediquei-lhe um refrão que ouvia muito na rádio- "And I miss you
Like the deserts miss the rain ".
A professora na altura, nem me recordo do seu nome, era ultra fã dos Everything but a girl, e deu-me uma grande nota na composição, por além de ter citado uma das suas músicas favoritas, ter percebido que aquele texto estava repleto de emoção e dor.

Pode parecer estranho, mas à data terá sido talvez a única demonstração na escola perante um professor do que realmente sentia. Desde que havia mudado para a Escola de Carcavelos que tinha apanhado bons e maus professores, mas senti que nunca me entenderam, e eu também nunca fiz um esforço para tal.

Depois foram os meus avós, primeiro a avó Clarisse, depois o meu avô Esmeraldo e por último a minha avó Julia. Sinto a falta deles todos, relembro-me de momentos marcantes que passei com eles. Recordo-me do ultimo sorriso que vi do meu avô como se fosse ontem, à porta de casa dele, com lágrimas nos olhos e um sorriso do tamanho do mundo na cara. Duvido que em toda a minha vida vá encontrar um outro homem que tenha a bondade, a simplicidade e a honestidade do meu avô. Lembro-me de numa das muitas felizes férias que passámos na sua casa em Tomar (simplesmente perfeito, os cinco primos juntos, com um enorme espaço rural para brincar e gastar energias de uma infância que por 15 dias era inesquecivel).

Quando tinha uns 4 ou 5 anos disse ao meu avô que determinado táxi que aparecia numa telenovela da noite na televisão dele tinha outra côr, diferente do táxi que aparecia na minha.

Nas férias seguintes o meu avô juntou algumas poupanças e comprou uma televisão Grundig a cores. Assim que cheguei a sua casa mostrou-me cheio de orgulho e felicidade a nova televisão, onde eu poderia ver de novo as mesmas cores que via quando estava em casa dos meus pais.

Lembro-me de o ver limpar o tanque para nós podermos ir pra lá chapinhar e nadar, tudo à mão, mesmo sabendo que sofria terrivelmente das costas. Lembro-me como se sentia feliz quando o rodeavamos para ouvir as histórias dos Lobisomens e das Bruxas, lembro-me de nos levar ao Leite, para ouvirmos os disparates e a vulgaridade da linguagem do pastor, e como se ria ao ver-nos espantados a ouvir aquelas asneiradas todas vindas da boca de um adulto. Íamos à fonte buscar a água, e quem se comportasse bem, poderia ir na parte de trás da carrinha, onde os bonés eram levados pelo vento que a velocidade da carrinha provocava.

O meu avô ligava a sua serra electrica, em tardes de calor de Agosto, só para cortar os pequenos ramos de oliveira que apanhávamos no meio da lenha, e transformá-los em potentes armas mortiferas do imaginário infantil, e lá iamos nós brincar aos gangsters e policias, aos índios e aos cowboys.

O meu avô plantou uma oliveira no meu 7º aniversário, foi a única prenda da minha infância que jamais me esqueci. Quando me mostrou um pintaínho sem uma pata e cego de um olho, pedi-lhe que mo desse, e assim fez. O pintaínho transformou-se em galinha, deu muitos ovos e nunca, nunca foi morto pra churrasco ou vendido para quem estivesse interessado, por pura e simplesmente ser meu. Creio que ele nunca iria suportar ver a minha desilusão se um dia lhe perguntasse pela minha galinha coxa e vesga, e ele tivesse que responder que a tinha morto ou vendido. A galinha acabou por morrer de velhinha.

Por amar tanto a minha infância em Valdonas, e por amar tanto os meus avós tenho medo de um dia lá voltar. Agora que a casa que nos acolheu foi abaixo, que o tanque deu lugar a uma piscina, a capoeira desapareceu , a datsum azul está velha e na casa do meu tio, e principalmente o amor dos meus avós se resguardou para eternidade no meu coração, tenho medo de encontrar um local totalmente diferente, sem eiras, sem espaço para o jogo da malha atrás da garagem, sem o batatal, sem os preciosismos com que o meu avô arrumava as suas ferramentas, e organizava tudo de uma forma tão própria de quem só tem um fundo puro doce e cheio de amor por todos, até os que lhe faziam mal.

Infelizmente ao meu avô nunca pude dizer adeus, e o quanto o amava antes de ele se ir embora para perto do seu protector em quem depositava tanta fé e esperança, mas hoje deixo aqui o primeiro verdadeiro recado para alguém, e é para ti avô . Se algum dia nos voltarmos a ver vou dar-te o maior abraço que alguma vez dei, e vou agradecer-te por todo o carinho e amor incondicional que me deste a mim e ao meu irmão e aos meus primos. Vou querer saber tudo o que ficou para contar sobre ti, sobre a tua vida, o que te fazia feliz, vou querer ouvir as histórias das bruxas e dos lobisomens, vou querer voltar a andar na parte de trás da tua carrinha Datsum, vou querer ir à água, ao leite e até à missa, porque só agora vejo que a maior riqueza da minha vida és tu e os que como tu sempre me amaram, espero que onde estejas estejas bem, e que sintas orgulho na pessoa que sou hoje. Amo-te muito avô.

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